quinta-feira, 6 de março de 2014

Não coma gato por lebre

Segundo o calendário das estações do ano, estamos a chegar à primavera. Custa a acreditar, porque a chuva e o frio teimam em não ir embora, mas as coleções para a primavera/verão já se insinuam nas montras e logo que cheguem os primeiros raios de sol (e o orçamento o permita), começa de novo o sonho de caber nas roupas da moda num tamanho, ou número, que idealizámos como perfeito para a nossa silhueta. Mesmo que nunca o cheguemos a vestir, o ideal é não encontrar um modelo adequado ao nosso corpo, mas querer que o corpo fique bem num determinado modelo e tamanho.
É, por isso, inevitável que depois de uma primeira tentativa de perda de peso após a passagem de ano, quase sempre descontinuada pelo facto de, nessa altura, o corpo andar mais tapado, se volte a investir num projeto de perda de peso assim que se vislumbra a possibilidade de ter de o pôr mais à mostra. Porque a questão da saúde que resulta de uma alimentação adequada e da manutenção do peso correto continua a não ser a causa próxima para se aderir a um plano de emagrecimento. O que continua a pesar mais é a imagem corporal, baseada em estereótipos e modelos, impossíveis de alcançar pela maioria das pessoas. Por isso o recurso a produtos, regimes e suplementos que prometem perdas superiores a cinco quilos por mês é a grande esperança de todos os que se debatem com esse problema. O que não revelam é que, quando isso acontece, a recuperação de peso e a tendência para engordar ainda mais são uma evidência, uma vez que além de não se aprender a comer, isso implica, seguramente, a perda de massa muscular, ela que é a grande responsável pelo gasto energético do organismo.

O marketing e a publicidade veiculados por figuras de impacto público, e sobretudo quando são anunciados na TV, fazem acreditar que determinado produto ou dieta são realmente eficazes. Milhões de pessoas experimentam-nos e concluem que o problema de não emagrecerem se deve a uma incapacidade pessoal, nunca a uma ineficácia do produto ou regime. Se é anunciado na televisão, funcionou com a apresentadora X ou com a atriz Y e não funciona comigo, então é porque eu tenho um problema em emagrecer... O que duplica a frustração.

Nem de propósito! Enquanto escrevo este artigo, vou ouvindo na TV uma sátira sobre dois anúncios das “Televendas” que promovem produtos para emagrecer. Um anunciando um iogurte que promete emagrecimento instantâneo e um outro baseado numa alcachofra não sei de onde, com imagens do “antes” e do “depois”, cujo modelo se percebe imediatamente que não é o mesmo. É incompreensível como tanta gente, mesmo as que teriam mais obrigação de o não fazer por terem maior formação e informação, caia nessas armadilhas. Isso revela a incapacidade de perceber que a perda de peso não é um passe de mágica e a convicção profunda de que tudo o que promete perdas espantosas de peso deve ser experimentado. Pergunto eu: se houvesse alimentos e suplementos com tanta eficácia e sem prejuízo para a saúde, por que razão os nutricionistas não os prescreveriam?

Eu, como nutricionista, almejo o dia em que isso venha a acontecer!

Até lá, e consciente de que só engordamos com o que comemos em excesso, ou dito por outras palavras, se comermos mais do que o nosso corpo consegue gastar, continuo a acreditar que só com uma mudança no estilo de vida - que inclui a consciencialização e prática de uma dieta saudável (completa, variada e equilibrada) e maior atividade física, se poderá perder e manter duradouramente o peso, preservando a nossa tradição culinária e o nosso prazer de comer.

Mas também e, sobretudo, a nossa saúde física e psíquica!


PAULA VELOSONutricionista e autora de Dietas sem Dieta, Dieta sem Castigo e Peso, uma questão de peso.

in: http://www.educare.pt/opiniao/artigo/ver/?id=24425&langid=1