Era uma vez um Paulinho gordinho, que andava no 5.º ano e,
como não gostava de se ver ao espelho, também não gostava de ir às aulas de
Educação Física. E quem falta a estas, falta também às outras, acabando por
reprovar por faltas, apesar das inúmeras cartas e dos muitos telefonemas da
diretora de turma para a mãe, que raramente ia à escola falar com ela e que
sempre se mostrou pouco firme com o filho no que se referia a obrigá-lo a ir às
aulas. Achava ela, provavelmente, que, se ele não se sentia lá bem, mais valia
ficar em casa.
E foi assim que o Paulo entrou numa nova turma de 5.º ano, mais gordinho, mais
altinho e com uma diferença de tamanho (e largura) e idade relativamente aos
colegas ainda maior do que tinha acontecido no ano anterior. O fim lógico da
história parece ser que o Paulinho se sentiu cada vez pior, faltou cada vez
mais e reprovou de novo. Enganam-se. A história tem um final feliz. Vamos ao
que se passou.
No novo ano escolar as faltas começaram a aparecer. Diretora de turma,
psicóloga escolar e professora de Educação Física definiram estratégias de
intervenção articuladas, situação que, posteriormente, se alargou também ao
restante Conselho de Turma (CT). Enquanto a psicóloga acompanhava o Paulo em
atendimentos individuais, colaborou também com a diretora de turma e o CT no
apoio à sua integração na turma, através de atividades desenvolvidas em
Formação Cívica e de uma atenção particular da professora de Educação Física a
ele nas suas aulas. Foi assim que o Paulo, que até já conhecia alguns alunos da
turma, se sentiu bem recebido e apreciado, independentemente da sua imagem
corporal. Deu-se a feliz coincidência de, a meio desse ano letivo, a médica de
família o ter mandado para consultas de nutricionismo, que, com a sua força de
vontade no seguimento da dieta prescrita e na prática diária do exercício
físico recomendado, deram resultados rápidos e evidentes (emagrecimento), com a
consequente elevação da sua autoestima, reforçada pelos elogios de professores
e colegas.
Mas nem tudo correu bem nesta história. Houve ocasiões, nesse 5.º ano e no 6.º
ano que se lhe seguiu, em que o Paulinho voltou a faltar às aulas e a mãe a não
aparecer com facilidade às chamadas da diretora de turma. Quando vinha,
mostrava-se pouco firme, como no ano em que o filho tinha reprovado. E foi
assim que a diretora de turma começou a pedir comprovativos dos motivos
apresentados para as justificações das faltas e a injustificá-las quando eles
não eram apresentados. A esta estratégia adicionou-se a colaboração do Presidente
do Conselho Executivo (CE) que se prontificou a atender a encarregada de
educação e o aluno com a diretora de turma, para tentar responsabilizá-los mais
pela assiduidade. Com estes altos e baixos, o Paulo lá passou para o 6.º ano.
Era uma vez um Paulinho que, no 6.º ano, já não era tão gordinho e estava cada
vez mais "elegante". Apesar de já se sentir completamente bem na
turma e de continuar a receber todos os apoios do ano anterior, de vez em
quando lá faltava e os 'de vez em quando' começaram a aumentar. Nem a
injustificação das faltas estava a parecer impedir o retrocesso. Conversas da
diretora de turma e da psicóloga com ele deram a conhecer uma família
desestruturada, com um pai desempregado e agressivo e uma mãe que trabalhava
excessivamente, ficando os mimos do Paulo repartidos por ela (num tempo
escasso) e pelos avós maternos (que viviam longe). Paulo gostava de se refugiar
na casa deles e, por isso, faltava às aulas, a ponto de, mais uma vez, estar em
riscos de perder o ano por faltas. Nova reunião da diretora de turma e do
presidente do CE com a mãe e o aluno serviu para lhes mostrar a retenção à
vista, mas também a possibilidade de passagem, se o Conselho Pedagógico o
aprovasse, após um parecer favorável do CT. O sonho do Paulo era tirar um curso
profissional. Ele queria ser eletricista. Nesta conversa, os problemas
familiares do Paulo foram tidos em conta e foram propostas algumas
possibilidades de apoio pela escola. Foi mostrado, a mãe e filho, que a
passagem de ano precisava agora de ser uma conquista, que implicava a ausência
de qualquer falta injustificada. Mãe e filho choraram, mas sentiram-se apoiados
e perceberam que a dureza da aplicação da lei, com a injustificação das faltas,
apenas visava ajudar o Paulo a alcançar o seu sonho.
E a história acabou bem. Não tem o fim tradicional dos contos de fadas, mas tem
um fim adequado a uma história de um menino/adolescente, com uma vida difícil,
que lutou e foi apoiado na sua luta, chegou ao fim do ano com sucesso e, no ano
seguinte, conseguiu ingressar no curso profissional pretendido. Logo que o
conseguiu, telefonou para a escola a dar a boa nova à diretora de turma e à
psicóloga.
Moral da história:
1. Por trás dos problemas manifestados por cada aluno, há uma história de vida
que é necessário conhecer para se definir uma estratégia de intervenção
adequada e eficaz.
2. É importante mobilizar os recursos existentes e adequados a cada caso.
3. É fundamental tentar conseguir o apoio e a colaboração da família, que,
muitas vezes, como neste caso, implica a formação dos próprios pais.
4. É importante fazer uso dos instrumentos legais existentes e adequados a cada
situação, não de uma maneira cega, mas rigorosa, pedagógica e intencional.
Sabemos, por experiência, que nem todas as histórias têm este final feliz. Mas
vale a pena lutar por ele e nunca desistir.
Nota Final:
Esta história tem alguns anos. De lá para cá, tudo ficou mais difícil nas
escolas. Ao Conselho Executivo, sucedeu-se a figura do Diretor; o Estatuto do
Aluno já foi modificado; a Formação Cívica deixou de existir; cada diretor de
turma depara-se com muito mais Paulinhos, uns gordinhos e outros magrinhos, mas
todos com problemas (sociais e de outras naturezas) crescentes, a somar-se a um
número maior de turmas e, consequentemente, a um número também maior de alunos,
fazendo escassear o tempo que pode dedicar a cada um. Apesar das dificuldades
com que os professores e as escolas se batem, reforço a mensagem contida nos
quatro pontos da moral da história, embora condicionada pela situação presente.
Por: ARMANDA ZENHAS Mestre em Educação, área de
especialização em Formação Psicológica de Professores, pela Universidade do
Minho. É licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, nas variantes de Estudos
Portugueses e Ingleses e de Estudos Ingleses e Alemães, e concluiu o curso do
Magistério Primário (Porto). É PQA do grupo 220 na Escola Básica de Leça da
Palmeira e autora de livros na área da educação. É também mãe de dois filhos.